segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Bicho - Manuel Bandeira



Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa;
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


Rio, 27 de Dezembro de 1947

Tatuagem na Água - Jaci Bezerra



No Recife me perco e me inauguro
Pisando acácias e éguas machucadas,
No bolso o sol ferido, um sol maduro
Escorre, úmido, e acende a madrugada.
Uma árvore brota no meu peito impuro
Acalentando a infância que, abismada,
Brinca dentro de mim e dói no escuro
Sempre por um menino acompanhada.

Nunca a essa cidade fui perjuro
Nem nunca a reneguei, talvez por isso
Ela me planta e aninha entre os seus muros,
E eu a carrego em mim, arrebatado,
Apodrecendo nos mangues dos seus vícios
E amando como se nunca houvesse amado.