Poesias          

SÚPLICA

Ensinai
A cavalgar os mares do teu corpo
Sereia de cactos e juazeiro
De mãos de seda e de marfim
Cabelos soltos graúnas
Nos cata-ventos bálsamo de alecrim
Iluminai
Oh! Rosa linda, o meu olhar
Porque guardo na algibeira o teu retrato
A casa nua na montanha
A estiagem nos pastos da aldeia
Que nem a tristeza estridente de um faquir
Com os seus ruídos enegrecidos de agonia
Apagará em mim teu brilho




REGRESSO

Devolvam-me
Meu castelo, minha espada, meu anel
E as fotografias amarelas guardadas
Na minha cômoda de cristal
Devolvam-me
O credo para atravessar fronteiras
E o espelho d'água entre as dunas
Onde eu fazia a lua para brincar
Devolvam-me
A minha tabuada mágica
E as histórias de um vento azul
Que traziam anjos às madrugadas
Devolvam-me
Meu uni-verso, suspiro poéticos e saudades
De andar a pé, olhar o céu, cantar um fado
No Pátio das Flores, no Arco das Portas do Mar.



EU, A ROSA E A LUA

A Luana Karla

Sorrindo canto a rosa e a lua

A rosa que foi minha um dia
E que feliz capturou o joão de barro.


A caprichosa rosa, alvorecer
No prelúdio dos raios encantatórios
Acalanta a tão bela e crescente lua.


A lua sem variações de sorrisos
Nas transitórias formas do segredo
Na madrugada fala sonâmbulas palavras.
Eu, refém do abstrato, ao entardecer
No esplendor dos mares vividos
Faço versos silenciosos do meu grito.


A lua na mágica janela, vestida
Com os olhos cristalinos, sem máscara
Bate-me à porta sem receios.


Sou lual do sertão seco, mas beijo
A lua que é filha dos meus sonhos
E a rosa hoje quase sem perfume.



O GUIA

Na rua 24,
Havia um menino
Que sabia onde morava
Um médico, um açougueiro,
Um engraxate, um sapateiro,
Um jornalista, um carteiro,
Um motorista, um coveiro.

Na rua 24,
Havia um menino
Que sabia onde morava
Um malabarista, um engenheiro
Um pintor, um cozinheiro,
Um soldado, um ferreiro,
Um padre, um padeiro.

Na rua 24,
Havia um menino
Que sabia onde morava
Um advogado, uma prostituta,
Um músico, um sineiro,
Um garçom, um enfermeiro,
Um professor, um biscateiro.

Mas ninguém sabia do menino
Que não tinha onde morar.




Soluços do Derradeiro Canto

Sonhei voando entre catedrais e cemitérios
Pó cinza e a alma pomba azul no céu
Velas acessas sobre o mármore negro
Sentinelas agora sem forma e sem cor.

Rastejam vermes fiéis companheiros
Famintos e sequiosos de uma carne fria
Na parede uma moldura desbotada
Onde já se vê gasta a juventude.

Um terno escuro para a solenidade
A posse nos termos do obituário,
E na gaveta murmura o triste diário.

A luz então se fragmenta no espaço
E o tempo que assistia a tudo agitado
Agora dorme silenciosamente sem asas.