segunda-feira, 13 de junho de 2011

EU, A ROSA E A LUA - Aldo Lins.



Sorrindo canto a rosa e a lua
A rosa que foi minha um dia
E que feliz capturou o joão de barro.

A caprichosa rosa, alvorecer
No prélúdio dos raios encantatórios
Acalanta a tão bela e crescente lua.

A lua sem variações de sorrisos
Nas transitórias formas do segredo
Na madrugada fala sonambulas palavras.

Eu, refém do abstrato, ao entardecer
No esplendor dos mares vividos
Faço versos silenciosos do meu grito.

A lua na mágica janela
Com os olhos cristalinos, sem máscaras
Bate-me à porta sem receios.

Sou lual do sertão seco, mas beijo
A lua que é filha dos meus sonhos
E a rosa hoje quase sem perfume.

Este poema escrevi para Luana Karla,
filha de uma ex-namorada, que reside em João Pessoa.

A LINHA DO VENTO - Aldo Lins



Te imaginei de cristal
Não sei de que tecido tão fino
Era revestida a tua pele,
Nem de que porcelana tão nobre
Era composta a tua carne,
O teu sangue o mais puro mel.

Aquele olhar me embriagou de esperança
Senti no peito uma certeira lança
Quando me beijaste com tamanha ternura.

Desenhaste no peito a mais linda gravura
De amor penteado com fina arquitetura
Em que cada fio me prendeu a sua trança.

Bate-me este sonho na lembrança
Não morre o velho se a criança
No pátio azul dos seus encantos
Nada obscuro nele resuscitar.

Rio - Octávio Paz



A metade do poema sobressalta-me sempre um grande desamparo, tudo me abandona,
não há nada a meu lado, nem sequer esses olhos que por detrás
contemplam o que escrevo,
não há atrás nem adiante, a pena se rebela, não há começo nem
fim, tampouco muro que saltar,
é uma esplanada deserta o poema, o dito não está dito,
o não dito

é indizível,
torres, terraços devastados, babilônias, um mar de sal
negro, um

reino cego,
Não,
deter-me, calar, fechar os olhos até que brote de
minhas pálpebras

uma espiga, um repuxo de sóis,
e o alfabeto ondule longamente sob o vento do sonho e
a maré suba

em onda e a onda rompa o dique,
esperar até que o papel se cubra de astros e seja o
poema um

bosque de palavras enlaçadas,
Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer,
nada nem

ninguém exceto o sangue,
nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o
já escrito

e repetir a mesma palavra na metade do poema,
sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que
vai e vem

e não diz nada e me leva consigo.

(Trad. Haroldo de Campos)


Havia noites em que
A porta ficava aberta,
E podíamos vislumbrar
Na penumbra
A cidade mergulhada na neblina.
Havia noites em que
A porta aberta
Saíamos na chuva
Pelas ladeiras de Olinda.
Havia noites
Em que a tristeza
Era uma mera Lembrança,
Perdida
Nos confins da infância,
Entre mangueiras
E atiradeiras.
Havia noites
Em que pairava
Como uma gaivota,
A eternidade do momento.

Carlos Maia

VANDALISMO - AUGUSTO DOS ANJOS




VANDALISMO


Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínguas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
E as ametistas e os florais e as pratas.

Como os velhos templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

ARTE DE AMAR - MANUEL BANDEIRA





Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma,
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação,
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo,
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo,
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

SONETO DE TORTURA E DESENCANTO - ÂNGELO MONTEIRO





Não sei que angústia me incomoda o peito
que não posso estar firme nem parado.
com o pensamento sempre desvairado,
falta-me calma até quando me deito.

A noite vago as ruas, odeio o leito,
não durmo, não descanso, não me enfado,
não fujo, não me mato, e o rosto irado,
até de rir perdeu a forma e o jeito.

Por isto não te admire, amiga minha,
que ternura hoje em dia me careça
na voz, que tantas vezes te acarinha.

Mas é que sofro de sentir diverso:
e onde repousarei minha cabeça.
se a dor humana não couber num verso?

CASA - DAVID MOURÃO FERREIRA



Tentei fugir da mancha mais escura
Que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior do que a morte o que antevi;
Era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
De não poder viver longe de ti:
És a sombra da casa onde nasci,
És a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
E em quartos interiores, cheiro a fruta
Que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flôres.
Só por dentro de ti a noite escuta
O que sem voz me sai do coração.