segunda-feira, 13 de junho de 2011

Rio - Octávio Paz



A metade do poema sobressalta-me sempre um grande desamparo, tudo me abandona,
não há nada a meu lado, nem sequer esses olhos que por detrás
contemplam o que escrevo,
não há atrás nem adiante, a pena se rebela, não há começo nem
fim, tampouco muro que saltar,
é uma esplanada deserta o poema, o dito não está dito,
o não dito

é indizível,
torres, terraços devastados, babilônias, um mar de sal
negro, um

reino cego,
Não,
deter-me, calar, fechar os olhos até que brote de
minhas pálpebras

uma espiga, um repuxo de sóis,
e o alfabeto ondule longamente sob o vento do sonho e
a maré suba

em onda e a onda rompa o dique,
esperar até que o papel se cubra de astros e seja o
poema um

bosque de palavras enlaçadas,
Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer,
nada nem

ninguém exceto o sangue,
nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o
já escrito

e repetir a mesma palavra na metade do poema,
sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que
vai e vem

e não diz nada e me leva consigo.

(Trad. Haroldo de Campos)

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